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O FEITIO DO FLAMINGO, 201O 

VOZ OFF *

 

O FLAMINGO É UM BELO ANIMAL QUANDO LENTAMENTE LEVANTA A ASA E ESPREGUIÇA A PATA.

O POISAR É SEGURO E, VAIDOSO, ENLAÇA AS PERNAS COM SE ESTIVESSE SENTADO.

-NÃO ME OLHEM – DIZ ELE. E ENFRENTA TODOS OS MENINOS.

MEIO DESCONFIADO TENTA FAZER UM PERFIL EGÍPCIO COMO SE SE DEBRUÇASSE NA VARANDA DE UMA PIRÂMIDE.

VARANDA DE UMA PIRÂMIDE? JÁ NOS ESTÁ A ENGANAR E AINDA SÓ SE PASSARAM UM… DOIS MINUTOS DA SUA HISTÓRIA!

MÃOS AO AR! – JULGOU OUVIR AO LONGE, MAS COMO NÃO TINHA MÃOS BAIXOU A CABEÇA ENTRE AS ASAS ENVERGONHADO. QUANDO SE SENTE ASSIM AGARRA-SE AO QUE PODE, NESTE CASO: AO AR.

MAIS SEGURO MOSTRA DE NOVO O SEU INCRÍVEL EQUILÍBRIO. VIRAM? E ATÉ DÁ UM PEQUENO SALTO. COMO NÃO ERA DE GRANDES VOOS FICOU CANSADO E RECOSTOU-SE. DOÍA-LHE A BARRIGA. POR ISSO DESCEU ATÉ À MARGEM DO RIO ONDE ENCONTROU UM VELHO AMIGO, O MANEL, QUE ENSAIAVA UM TIPO ARCAICO DE EQUILÍBRIO ENQUANTO MURMURAVA O CÓDIGO DE MORSE. CITANDO-O:

UM – OLHA – TOMA – NÃO – STOP – ESPERA – DOIS – NA COSTELA – LARGA LEVANTA E STOP – E PUXA E PRIME – ASSIM ASSIM ASSIM – AI DE MIM. CÉUS

E ESPREGUIÇA O CORPO TODO COMO UM ARQUEIRO, TODO ELE INTEIRO.

ERGUEU PERNA DEPOIS VOZ E... AI DE NÓS!

EM QUATRO TEMPOS REVELOU-SE UM MONSTRO E SUBLINHOU QUE TUDO ALI LHE PERTENCIA. OUVIRAM?

E ENCHEU O PEITO DE AR AGACHANDO-SE POSTERIORMENTE PARA FAZER CHICHI.

INDIGNADO, JOSÉ PÔS AS MÃOS... AS ASAS NA ANCA E PROTESTOU:

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 COM FORÇA, 8 E 9, 10 E 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 E OLHA, 18 E 19 COM FÚRIA, 20 E ESBRACEJA, VEZES.

MANEL, ACABANDO, LIMPA-SE E ERGUE-SE. PÕE TAMBÉM A MÃO/ASA NA ANCA, OLHA-O E EXPLICA-LHE TUDO LENTAMENTE. É QUE TAMBÉM LHE DOÍA A BARRIGA... LÁ SE ENTENDERAM... A FORÇA DA AMIZADE, O BICAR DAS PLUMAS DA CABECINHA... E BAIXARAM AS ARMAS.

COMEÇARAM A CONTAR OS SEGUNDOS DE PAZ. (tique-tac) CONVERSARAM SOBRE COISAS IMPORTANTES, MAS NÃO LHE ENCONTRARAM INTERESSE. DISTRAÍRAM-SE COM UMA ANDORINHA... UM GAVIÃO, UM PAPAGAIO. NÃO, UM MORCEGO! QUE ASSIM PENDURADO DE CABEÇA PARA BAIXO FICAVA COM UMA PERNA/PATA MAIS CURTA QUE A OUTRA.

AJUSTOU-SE. ABRE A ASA DIREIT... ESQUERDA... A DIREITA E COM MOVIMENTOS SEMELHANTES AOS DE UM POLÍCIA SINALEIRO ORIENTAL DIZ-LHES QUE CASO SE ATREVAM A ATERRAR ALI CORTARÁ O PESCOÇO A UM E A OUTRO! A VIDA NA SELVA É TÃO DRAMÁTICA! POIS É... – “TENHO DITO”. DISSE.

JOSÉ FICOU TODO TORCIDO, MANEL RETRAIU-SE. DEPOIS ARMOU-SE DE NOVO EM ARQUEIRO MAS PENSOU MELHOR E APONTOU PARA AQUELA MOSCA A VER SE O ENTRETINHA.

VOLTOU A SER CORAJOSO (ter estilo) E A PÔR A MÃO/ASA NA ANCA.

PISOU UMA MINHOCA PARA SE COLOCAR EM POSE E PREPAROU-SE PARA DAR UMA BICADA NO MORCEGO. DEU.

OS FLAMINGOS OLHAVAM DE PERTO O MORCEGO. O MORCEGO AMEAÇOU-OS COM UM MURRO. DEPOIS RETIROU O QUE DISSE COÇANDO A ASA COM OS NERVOS. NA VERDADE ESTAVA COM MEDO. COM O RABO ENTRE AS PERNAS.

ESGRAVATOU O SEU CHÃO INVERTIDO E MOSTROU-LHES A PERNA DOENTE.

- OLHEM PARA MIM, O COITADO...

MANEL PEDIU-LHE UMA, DUAS VEZES PARA PARAR. ABRIU A EXTREMIDADE DAS ASAS MOSTRANDO-LHE COMO ERA SENSÍVEL... TRA L ALA... E COMEÇOU A CHORAR. PARA SE ALEGRAR DECIDE CANTAR UM FADO RITMADO:

AI A COXINHA

DEU UMA VOLTINHA

MAS ALGUÉM ACOTOVELOU

O MONSENHOR

SACUDIU E OLHOU

PONTAPEOU E OLÉ

TOMA LÁ

PARA VER COMO É QUE É

A COXINHA ELE O PAROU

E A PERNA DESENCAIXOU

COM A PRÓTESE O AMEAÇOU

MONSENHOR SE AJOELHOU

E EM ESFINGE SE TRANSFORMOU

A ESFINGE... POIS. ABRIU AS GARRAS E SE ESPREGUIÇOU

FI NAL DA HISTÓRIA. PONTO.

COLOCOU-SE DE NOVO E DESEQUILIBROU-SE DALI PARA FORA.

JOSÉ JUNTOU OS MEMBROS PARA PENSAR. ISTO PASSOU-SE NO DIA 2. LÁ FORA, NO CAMPO, NA SELVA. ELES SE ENCONTRARAM. FOI A FUGA DE UM E PARA O OUTRO UMA DOR NO PEITO. NA ANCA. NÃO ADIANTA...

JOSÉ AINDA ESBRACEJOU E PIOU PARA CHAMAR O AMIGO, MAS ESTE JÁ NÃO O OUVIU. E ASSIM SE FOI TAMBÉM.

DE NOVO O FLAMINGO NO PÂNTANO.

......

OLHA O HORIZONTE E RECOSTA-SE COMO COSTUMA.

VÊ AO LONGE UM OUTRO AMIGO, O JOAQUIM. ACENA E TÍMIDO CHAMA-O PARA A MARGEM.

UUPS, TEM UMAS MÃOS GRANDES E É TAMBÉM AFÁVEL COMO UM CACHORRO... MAS NÃO É O JOAQUIM. ENVERGONHADO PROCURA UM DISFARCE NOS BOLSOS, AQUI, ALI... LEMBRANDO-SE QUE NÃO TEM BOLSOS, AFASTA-SE EM SILÊNCIO (para a música). E VAI TOCAR PIANO. TOCA UM POUCO MAL... SENTE-SE OBSERVADO. UI.

NÃO TEM NADA NA MÃO/ASA MAS SIM PENAS NOS OLHOS E O ECO DA SUA MÚSICA CHEGA-LHE AGORA AOS OUVIDOS MISTURADO COM O RITMO DO VENTO.

ISTO FÁ-LO DANÇAR. SENTE-SE ENTUSIASMADO... MAS PÁRA. “NÃO ESTOU AQUI PARA DANÇAR”

QUANDO NÃO SABE O QUE FAZER QUALQUER FLAMINGO EXPERIMENTA O EQUILÍBRIO MAS SENTE-SE ABORRECIDO. PENTEIA A FRANJA/PENAS PARA TRÁS E DECIDE FAZER UM POUCO DE EXERCÍCIO:

SALTO, CABEÇADA

PORQUÊ? PORQUÊ?

COM UM PONTAPÉ NAS FOLHAS

FAZ APARECER UM COELHINHO

UM COICE... MAIS UM COICE...

E DEPOIS MAIS CALMO FOI FALAR COM O SEU DEDO DO PÉ. DESISTIU. OS DA MÃO/ASA... SÃO MAIS INTERESSANTES.

CONVERSOU COM ELES MAS ESTES DEITAM GARRAS PARA FORA DE-VEZ-EM-QUAN-DO. TOMA!

JOSÉ NÃO GOSTOU. APOIOU-SE BEM NO FUNDO DO CHÃO, MAS VIU-SE DE NOVO COM UM AR AMEAÇADOR.

E ASSUSTOU DE NOVO O COELHINHO.

“NÃO PODE SER”, PENSOU. E, OLHANDO-SE NO REFLEXO DA ÁGUA VIU COM TINHA MAU FEITIO.

PREPAROU-SE E INVENTOU ENTÃO UMA NOVA DANÇA NA ESPERANÇA DE SE TORNAR MAIS AGRADÁVEL.

14 TEMPOS RÁPIDOS

11 BEM LENTOS

E MERGULHA

VOLTA À DANÇA EM BREVES 26 TEMPOS E AO 27º LANÇA-SE EM VOO!

COM UM PEQUENO BALANÇO DÁ SINAIS DE SER UM NOVO FLAMINGO, COMPROVA-O E ATÉ DÁ UM SALTO DE CONTENTAMENTO.

QUASE SE LHE PÁRA A RESPIRAÇÃO. ENQUANTO CAMINHA VAI GESTICULANDO.

FALA SOZINHO COMO UM MALUQUINHO...

“UM FLAMINGO SHAOLIN

O EQUILÍBRIO AGORA QUE SIM”

O INCHAÇO DA VAIDADE E REBENTA. BOOM!

SENTE-SE ESQUISITO DA CABEÇA AO DEDO DO PÉ

TEM UMA IDEIA!

UM COLIBRI TINHA-LHA SUSSURRADO AO OUVIDO.

MAS LOGO A TINHA ESQUECIDO. BOLAS!

ESTREMECE AS PERNAS DE RAIVA MAS ESQUECE TAMBÉM QUE ESTÁ ZANGADO

E OLHA O CÉU ENEVOADO

FICA AO SABOR DO VENTO E DO CANAVIAL

JÁ SEI! DEVIA IR PARA UMA OUTRA TERRA

AGARRA A IDEIA QUE TEM NO OUVIDO

ENROLA A ASA ESQUERDA À VOLTA DA CABEÇA ATÉ DAR UM ESTALIDO, APONTA A DIRECÇÃO E... CLANCK! ATERROU.

CONTOU 1 E 2 E PAROU A ADMIRAR A PAISAGEM.

TENTOU SER FLAMINGO NESTA NOVA TERRA. MAS NÃO CONSEGUIU. DEMASIADO ÁRIDA.

VERIFICOU ENTÃO A DIRECÇÃO DO VENTO. TAL CATAVENTO.

ERA MUITO FORTE. TENTOU DE NOVO.

ERA UM VENTO DAS ARÁBIAS QUE NÃO LHE DAVA DESCANSO ÀS PLUMAS.

SENTOU-SE PARA PENSAR. PENSOU. PENSOU.

E PARA SE SENTIR MAIS SEGURO DECIDIU FINGIR QUE TINHA UMA ARMA.

PUM PUM PUM... PUM PUM PUM...

COM A BRINCADEIRA ACORDOU UM NOITIBÓ. ESTE ESPREGUIÇOU-SE E PÔS-SE A DISCUTIR COM JOSÉ ENQUANTO DAVA UNS PASSINHOS NERVOSOS E GRITAVA: SUA GARÇA MALUCA!

JOSÉ FICOU OFENDIDO, OLHOU-O NOS OLHOS E RESPONDEU-LHE COM MOVIMENTOS DE INDIFERENÇA.

O QUE É QUE ELE QUERIA DIZER COM SUA GARÇA MALUCA?

IA PARA PERGUNTAR AO BICHAROCO MAS DESISTIU.

SENTE-SE SÓ ALI.

ALI – NAQUELE SÍTIO DAQUELA NOVA TERRA, COMEÇA A ATOLAR-SE NA AREIA. FICA MUITO QUIETO.

PELA PRIMEIRA VEZ TEM DE SE AJOELHAR. QUE HUMILHAÇÃO! É QUE EM EQUILÍBRIO NUMA SÓ PATA FICA RIDÍCULO!

LÁ CONSEGUE ERGUER-SE... OLHA PARA SI.

QUERIA DEIXAR DE SER FLAMINGO.

* peça escrita a partir da coreografia de "Era Uma Coisa Mesmo Muito Abstracta" e que constitui a voz off que integra a versão para a infância "O Feitio do Flamingo"

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