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IN A REAR ROOM, 2009

PUBLICAÇÃO *

 

Estamos in a rear room. Este é um projecto de ocupação de várias salas – territórios desde os quais podemos, mais ou menos conscientemente, governar uma determinada área. Destruímos propriedade mas apenas por razões operacionais, não foi intencional. No final haverá milhares e milhares de pedaços de nós que serão de novo unificados o que me parece algo muito completo e mesmo revigorante. Causará fortes impressões telepáticas, causando ligações mentais entre as pessoas que se rodeiam. Será confuso, esmagador, o acesso directo à nossa intuição.

Vê-se um espaço diferente com faixas brilhantes de cor. Não posso sequer erguer as minhas mãos mas, mesmo assim, viajo profundamente acompanhado desta incompreensível fantasia de entrar numa sala e partir tudo. Quando se está em territórios ocupados pode-se fazê-lo. Não são as nossas próprias coisas e estás em guerra, portanto, se não passar, tomarás uma grande dose de Dramamine e dormirás muito nos dois próximos dias.

Encontro-me a mim e a mais alguns neste frenesim de querer partir paredes, mesas, portas, espalhar papeís por todo o lado e esse género de coisas. Antes de entrarmos na sala vimos pessoas deitadas no chão e não se sabe o que é que se passa com elas. Nas suas cabeças? Sim. Então foi na cabeça, o mais perto possível, o mais certo possível. Em cheio. Que sorte incrível o outro teve por não ter sido morto. Estava escondido, deitado debaixo da cama. Mas desta vez sentei-me em vez de me deitar num local tranquilo e o efeito passou com o desabar da parede. Agora ficamos facilmente confusos, a memória e a concentração tornaram-se pouco fiáveis. Ao louco que existe em nós é permitido fazer o que lhe apetecer pelo simples facto de que a oportunidade se lhe apresenta. É o que algumas pessoas com a doença chamam de “brain fog”.

Há também perda de controlo de fluidos dentro da sala que é precedida por:

Entupimento do ouvido e estalinhos, como se subíssemos a uma montanha. Depois a visão perde a sua periferia e ficaremos cansados, muito cansados… No clímax suo muito e então dormiremos pelo menos 12 horas. No dia seguinte sentir-me-ei como se tivesse sido espancado por uns 3 ou 4. Alguns casos serão mais violentos outros menos, depende do interrogador e do local do incidente.

Ficará convalescente 2 ou 3 dias. Conduziremos demarcações. Uma marcha rápida de regresso a casa segurando o fio. De regresso a casa, segurando o fio, sentiu-se eufórico e as cores pareciam mais brilhantes. Ele parecia bastante feliz. Ele ficou poderosamente emocionado.

Batemos à porta e uma mulher abriu, jovem, a casa agradável e limpa. Não era permitido beber água, mas roubámos uns isqueiros e um cd. Ela chorava histericamente. Como explicar? Ruídos e locais barulhentos são muito irritantes e tendem a agravar os ataques. Então desmontámos tudo dentro da casa, mas a mulher gritava sempre que ouvia algo a partir-se. As frequências agudas ouvem-se muito bem quando uma mulher grita ou uma criança chora.

Todos os que estavam à minha volta pareciam-me insectos vindos do espaço. Apercebo-me agora, olhando-vos, que todos são parte de uma mesma coisa. Fiquemos todos juntos numa sala. Homens de um lado, mulheres e crianças do outro. Podemos ficar assim por muitas horas ou poucos dias. Tanto faz. Este é o procedimento. É o que nos foi ensinado no nosso treino básico:

Alucinações visuais e auditivas devem ocorrer.

O meu sentido de tempo deve ser alterado.

Ele deverá experienciar emoções intensas, agradáveis ou desagradáveis.

Sentimentos ou pensamentos opostos devem ocorrer em simultâneo.

Deves ter grande sensibilidade e consciência do meio envolvente, por outro lado não deves registar absolutamente nada do exterior.

Devo sentir que o meu corpo e mente se separaram.

Sensações da iminência ou da própria morte devem ocorrer.

A euforia é muito comum como acima referido.

O início da experiência será muito rápido.

A viagem dá-se em grande velocidade. O cd toca em várias rotações. Estamos assim sentados numa sala de reuniões, conversamos e somos muito próximos uns dos outros e a sala transforma-se de modo a que um dos limites pareça mais alto que o outro. Nalguns casos conseguimos combater o limite semicerrando os olhos ou procurando algo em que focar. Noutros casos temos de parar. Os episódios geralmente passam dentro de alguns minutos. Se não passarem, em princípio, Meclazine irá ajudar.

Neste caso parámos. O comandante do batalhão entrou-me pelo ouvido e disse:

- Não tenho tempo para a diplomacia.

- Não mais do que isso? Questionámos.

- Não. Nós somos um exército moral.

Antes de sermos avaliados pelos meus dias bons têm de compreender o que é um dos seus dias maus. Nunca vi nada assim e, acreditem, já vi muitas bofetadas selvagens.

Andar é normalmente complicado e é costume usar as paredes para se manter de pé. O critério é: uma parede relativamente fina - e nesse caso preferimos a versão fria à quente.

Nestes momentos, conforme vou dando um passo vou duvidando se o chão está de facto lá. Parece sempre um pouco mais longe… A que é que se parece uma parede fina? Não é fácil de dizer. Por vezes, em vez de cairem as paredes, o tecto voa. São feitos de estanho por isso voam pelo ar. As paredes são mais fortes que o cimento e ficam duras de ouvido ou mesmo surdas. Nesses dias é assim que nos movemos de casa para casa.

Nós, “os rapazes de Deus”, ficamos com as mulheres e passamos de casa para casa com os mapas. Tu, sem mapa, atravessa-lo quando se der a separação da consciência com o corpo e os efeitos psicadélicos substituirão por completo os conteúdos normais da tua mente. Sei que alguns dos meus colegas tiraram fotografias deles próprios com os corpos e o teu também lá estava preso por um fio. É uma missão fedorenta, nojenta, eu sei, mas há uma sensação de deslumbramento ou receio e a sensação de inegável certeza da realidade da experiência. Por isso vais atrás dela.

Corres para tudo porque não te consegues equilibrar suficientemente bem para evitar entrar para dentro das coisas, e a tua cabeça diz que tudo está um pouco mais longe do que realmente está… por isso vais atrás dela, da cabeça. Pesada e com uma surpreendente rapidez no aparecimento dos efeitos - um sistema caleidoscópico de alucinações visuais e uma separação da consciência com o corpo físico. Mas o mais curioso era o sentimento do “outro” algures dentro do mundo alucinatório. O olhar do outro dizia, imagino:

- Entraram pela minha casa adentro, rebentaram com tudo, agora estão sentados no meu sofá. O que é que esperam de mim? Que vos sirva uma bebida?

O pior sintoma é a vertigem. A isso junta-se uma grande bebedeira. Depois és tonto o bastante para te meteres naquelas rodas gigantes dos parques de diversões que rodam em duas direcções diferentes. Não sou, mas não tenho opção. Estas eram algumas das tuas escolhas. Simplesmente estavam dentro das reais possibilidades. Podias escolher fazê-lo ou não fazê-lo. Não havia ninguém para o julgar.

Eu julgo que o pior é a vertigem. Parece que dás voltas e voltas e depois és cuspido. Quando as rotações começam, se não for muito mau, posso conseguir andar até à próxima fonte de água para tomar um comprimido. As rotações começam e, se não for muito mau, posso conseguir nadar até à próxima fonte de água para tomar um comprimido. Eles colocaram o tubo de modo a que a urina escoasse para a capoeira debaixo de nós. Tomei o comprimido e essa era a piada do dia.

Por vezes também me rio e reparo que já estamos habituados às crises mais suaves. Aquele até já sente a atracção pelo cabelo de uma mulher. As cores são muito profundas apesar dos padrões geométricos não se moverem tão depressa. Se ela mover a cabeça de um lado para o outro e depois parar na chamada posição normal, os meus olhos continuarão caminho até ao outro lado da vossa cabeça. Percebi que se mover a cabeça e segurá-la em determinados ângulos, a sensação de rotação regressa. Normalmente atenuada quando, de novo, volto a colocar a cabeça dela na tal posição. A normal.

Ela tem uma dor de cabeça causada por um alarme de incêndio ou o zumbido de uma abelha dentro do orifício. Fica por lá continuamente e por um largo período de tempo. Nada mais é possível de ouvir. Então percebi que não tinha ninguém com quem falar porque obtinha sempre a mesma resposta por irreflectidamente passar por cima dos meus superiores. Os superiores, tal como as frequências mais altas, ficam amplificados e quando uma criança chora ou um alarme toca ou uma abelha zumbe, torna-se insuportável. Só nos resta a louca destruição. Nada ficará intacto. Mas continuaremos gente séria. Eles eram altamente patrióticos. Por vezes achei até que pisaram os risco… exagerados. Talvez o facto de ter cortado a orelha se deva a tudo isto.

Como o regulamento obriga, disparo contra qualquer objecto que possa constituir perigo – armários, camas, sofás, cortinas, sapatos, frigoríficos, escovas de cabelo e espelhos.

Por vezes a minha coordenação não funciona. Olhando-me no espelho seguro o seu cabelo na mão e de repente largo por não saber se a minha mão pertence realmente ao meu corpo. Por vezes tropeço por não reconhecer as minhas pernas como tuas. Acho que no meio disto lhe partiste o maxilar. Foi quando os nervos estavam inflamados.

Se ele está nervoso e uma porta demora mais de trinta segundos a abrir, teremos de a fazer explodir. A minha perspectiva disso é como se vivesse com uma bomba relógio que tem um gerador com um padrão numérico aleatório - nunca se sabe quando irá explodir. Mas se demorar mais que trinta segundos a explodir teremos de o abrir. E eu nem sequer estou a falar das pequenas coisas, de explodir as pequenas coisas.

Os olhos, por exemplo, de os abrir. Esses tremem ou contraem-se constantemente e torna-se difícil focar o que quer que seja. Dão-te dupla ou tripla visão e outras coisas. Como aquela coisa que os outros viram. Seria tão bizarro, tão incompreensível, tão absolutamente aberrante, que as suas mentes simplesmente se desligaram para os poupar de terem disso uma imagem nítida? Eles eram altamente patrióticos.

A criança sei que me olhou, viu-nos e mijou-se nas calças.

Essa é toda a história, é o que é aqui e o que aí fizemos.

* criado para a publicação "In a rear room" que acompanhou uma instalação de Ricardo Jacinto, editado por Vera Cortês Agência de Arte, a partir de contéudos das seguintes fontes:
Descriptions of symptoms by patients with Méniere's disease; DMT: The Spirit Molecule, by Rick Strassman MD, 2001; Breaking the silence: Israeli soldiers talk about the occupied territories.

Para a criação do espectáculo "In a rear room - um tributo" em 2010, o texto foi rescrito a partir das mesmas fontes.

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