PROBLEMA TÉCNICO, 2012
PRÓLOGO *
Ok. Vou directo ao assunto.
A situação portanto passava-se num dia como o de hoje
No dia de hoje
Nos dias de hoje
O céu estava limpo
Havia gente havia cães havia vento...
E havia problemas.
E havia também árvores que balouçavam
E nas árvores folhas e frutos que por vezes caiam
E os frutos eram comidos por pessoas e animais... e outros apodreciam
Voltavam à terra. Á Terra quente e queimada pelo sol
Que continuava a ser aquele por quem ela rodava
Por ele e por si própria, claro está
Eram tempos em que era tudo um bocadinho demasiado por si próprio
E à força disso - da força centrífuga
As coisas de dentro eram empurradas para fora
Saindo dos seus devidos lugares e ficando coladas à superfície
Mas à superfície do lado de dentro, não ultrapassavam a pele
Apenas formavam uns altinhos.
A pele, essa, como todas as superfícies,
continuava a ser de uma inimitável beleza
como a superfície da água quando espelha a bela paisagem
ou como o pelo do gato quando bem lambido ou escovado
ou mesmo como a superfície da madeira de um bonito soalho devidamente afagado e envernizado
Bom..
O tempo passava
E isso causava algum incómodo
Porque ele passava e passava e havia o receio de nos arrependermos por o termos deixado passar.
Já se tinha percebido que havia falta de resistência à sua passagem
Não tinhamos construído paredes nem sabíamos bem para o que é que ele servia.
Seria como o dinheiro? Algo que se fez para se ter e para se gastar? Ou como os direitos...
Mas sabíamos bem que o investimento em nós próprios teria de dar magníficos resultados. Isso sim. A maior das crenças a maior das convicções deste estranho povo.
Todos eles, bonitos, bem vestidos, engraçados mesmo e bem cotados, passavam e percebiam agora que apesar de tudo
Havia gente havia cães havia vento
Havia frutos que apodreciam
havia falta de dinheiro
as árvores balouçavam
e era melhor tornarem-se consumidores conscientes,
E a consciência, a pobre, que tanto se tinha esforçado para não deixar o tempo passar por si só só solitário e orgulhoso como sempre foi,
via-se muito ocupada a debruçar-se sobre o consumo...
Ora... Também ela sentia que não era para tal que tinha andado a estudar.
Mas a consciência, que por nunca se ter bem sabido o que é e por isso a termos casado com Deus, transportava em si uma enorme força de inibição.
A timidez de alguém que partilha a vida com uma personalidade de renome e por isso se acanha.
Ainda para mais quando esse nome e renome servia para tanta parvoice... era o que Deus quizesse ou nos valesse.
Ela um dia, após o divórcio, tinha querido tornar-se cultura, era assim um estatuto vaidoso mas que lhe ficava bem, mas ninguém lhe ligou nenhuma e continuava a ser vista como uma beata chata e antiquada.
Pensava agora em mudar o seu nome para informação.
Bom, já me estou a perder.
Apesar do contínuo rodopio em torno de si próprio este povo era de uma enorme mobilidade.
Não muito musculado verdade seja dita, mas uma pele suave uma penugem perfeita e uma enorme capacidade de fazer o pensamento saltar para longe.
Eram pulos magníficos. Voos sem rede que, em rede, os levavam para lugares distantes e os faziam tratar por tu qualquer ser deste mundo.
Sabiam que se podiam ver realizados em qualquer ponto do universo e que qualquer ponto do universo dos outros era melhor que aquele onde estavam e eram mesmo gentilmente incentivados a darem um enorme pulo para fora deste planeta.
Fomentava-se assim uma enorme curiosidade pela vida dos outros, o que não se deve confundir por interesse pela vida dos outros que isso é muito feio.
Rodavam sobre si próprios com os olhos bem abertos de modo a que as belas paisagens que os rodeavam provocassem um espectacular efeito de arrastamento para cima umas das outras.
Uns que tinham ainda os pés demasiado presos ao chão, rodavam para um lado e para o outro de um modo espiralado. Outros rodavam sempre no mesmo sentido e andavam praí aos tropeções.
À pala desta força centrífuga tinha-se criado um lugar muito grande no seu interior. Uma enorme assoalhada.
Um enorme recipiente onde cabem todas as coisas e ainda todas as coisas de cada um ligadas em rede a todas as coisas de todas as outras coisas. Isso também todos sabíamos. Nem que fosse porque isso já se aprende na net.
Sabia-se que este povo era nutrido de pensamentos profundos e opiniões muito próprias mas estavam sempre a perder e a encontrar coisas, dizia-se que eram distraídos. Não é?
Enquanto isso o pensamento ficava à porta à espera de poder ir falar com alguém... tinham-se distraído...
A distracção era na verdade um lugar amoroso e onde se partilhavam grandes afectos e se construíam as verdadeiras amizades.
Mas havia problemas. Ui se havia problemas! Dos maiores aos mais pequenos. De todos! Isso todos sabiam pois todos tinham essa informação e isso era bonito. Mas como não eramos muito musculados os problemas adquiriam a pouca força de que dispunhamos e tornavam-se uma pequena coceira debaixo do sovaco, curiosamente do esquerdo.
Havia um problema que muito prezavam e que carregavam consigo para onde quer que fossem.
Era um problema lindo, brilhante e inspirador – o problema da liberdade.
Tinham era a dificuldade de o fazer impôr-se, tanto a si como aos outros.
Mas sempre que sentiam que algo se virava contra esse prezado problema reagiam. Abriam todas as portas e todas as janelas para arejar e depois deixavam-no assim, tudo em aberto, à solta a voar desvairado como um morcego cego ou morcégo cego.
Apesar de tudo éramos quase perfeitos. Tínhamos sido tecnicamente talhados para tal e a perfeição, que era antes tida como coisa divina e inalcançável, era agora uma auto-estrada que todos sabíamos tomar e que nos levava sempre a lugares familiares.
Aliás a imperfeição é que se nos tinha tornado estranha e era agora uma graçola ou, quando bem trabalhada, com técnicas sofisticadas, usada como uma forma de estilo.
Bom mas passemos aos acontecimentos. O que realmente aconteceu...
Bem... A informação tinha, de certo modo, substituído os acontecimentos e normalmente o que acontecia era isso, portanto experimentávamos coisas fantásticas e variadas que não nos aconteciam.
Era um tédio emocionante quando contado e poderíamos mesmo dizer que nos tínhamos tornado nos melhores contadores de histórias de sempre e quase nem sentíamos falta de fazer história, isso sabíamos, alguém faria por nós se tivesse mesmo de ser.
Não havia tempo a perder nem paciência a gastar porque não nos tinha sido atribuído destino à partida e essa era a raíz da nossa liberdade.
Na verdade não havia mesmo paciência nenhuma para quase nada e muito menos para chatices.
Éramos o retrato de uma inesgotável juventude e dáva-nos mesmo uma imensa alegria que não estivéssemos de estar sempre a carregar naquele botão do refresh como era nos velhos tempos. Tínhamos bons processadores.
E por isso o tempo passava rapidamente sem que tivéssemos de estar à espera que ele passasse e ele passava sempre novo e empertigado sempre sem o termos...
E eu aliás já estou um bocado aborrecida de estar aqui há tanto tempo a contar-vos isto tudo e apetecia-me muito passar à frente e mudar de assunto, mas enfim, tenho de vos dar o contexto para que possam entender onde quero chegar.
Que enfado...
S - Pois é...
C - Acabei por fechar a janela
S - Ah! Fizeste bem.
C - É que vem a...
S - Quem? Hoje?
C - Sim.
S - Mas hoje não é dia de...
C - As nuvens estão altas.
S - Ah... e se chove... Ia-me esquecendo. Deixei ficar a roupa...
C - E os pássaros.
S - Ainda há pouco...
C - Pois foi...
S - Mas eram pássaros?
C - Estranhos seres esses... quando se colam às árvores ficam tão estranhos... Podes mudar de canal?
S – Mas não há programa de centrifugação.
C - E o mundo roda.
S - Sim. Mudo sim. Eu mudo. Deixa, eu mudo. É verdade... Não.
C - Não. Diz.
S - Ahn? Deixa...
C - Já sei.
S - Vais falar agora?... Tive tanto medo. Tudo espalhado...
C - Estava sol. O vento soprava forte, verde. Muito verde. O verde era profundo. Cresciam... coisas, também profundas, ali...
S - Ahn? Não era isso.
C- Jesteś taką piękną kobietą, na prawdę
S- Não está assim tanto calor
C- Dlaczego to ?
S- Tambem estamos no verão
C- Co robisz ?
Ahhh... Havia algo que por vezes nos chateava, era o facto de haver tanta interpretação das mesmas coisas.
S - ahn ?
C- Mów do mnie !
S- Deixa isso comigo.
C - Przepraszam ale nic nie rozumiem , wszystko jest za daleko, za ciężko , za zielone, za podzielone , zaaaa.....
C- Boże !!! Mój Boże !!! .... Boję się .... nienawidzę mieszkać tutaj na wsi .
S- Está bem…
Éramos muito abertos e conseguíamos incluir inúmeras coisas como já foi dito, também falávamos muitas línguas e comunicávamos de vários modos.
mas bolas, por vezes parecia que não havia ninguém que falasse realmente a mesma língua, talvez porque nos sabíamos complexos e os outros então eram ainda mais complexos do que nós e ao falarem sobre algo,
a escolha das palavras,
a postura do corpo,
o olhar fugidio,
aqueles pequenos sinais,
o franzir de uma só sobrancelha que divide o rosto ao meio,
ser dois num só,
destruir a tranquilidade da simetria,
ser mas não ser,
não aguentar o sol,
sacudir o casaco...
não havia como não perguntar: O que é que realmente querem dizer com isso?
Porque as pessoas querem sempre alguma coisa, isso todos nós sabíamos, não sabíamos era o que é que elas realmente queriam!
E por vezes também não sabíamos bem o que é que queríamos... mas isso, pronto, é um percurso um caminho a percorrer com muita paciência, não é?
A verdade... A verdade é que ficava um bocado mal vista no meio disto tudo, mas também sabíamos que essa era uma puta relativa que se andava sempre a apresentar de modo diferente ora para uns ora para outros... enfim, uma mariazinha.
Havia quem dissesse que sofríamos de desconfiança, mas não. De modo nenhum. Eramos sim jovens e incompreendidos e isso só nós é que sabíamos e só em relação a cada um de nós próprios e também isso, garanto-vos faz de nós igualmente especiais.
No final eramos um povo tolerante
Alma suave/Coração ao alto/Diplomáticos/Flexíveis/Quase intocáveis
e com mais crítica ou menos crítica acabávamos por gentilmente aceitar as várias interpretações disto ou daquilo até mesmo quando não as compreendíamos.
Assim não havia guerra. Ah! E como não havia guerra não havia medo! Eh Eh! Uma maravilha!
Bom havia alguns medos, mas tínhamos carinhosamente passado a chamá-los de ideossincrasias para que deles pudéssemos rir. E isso era mesmo divertido e fazia amarmo-nos uns aos outros!
Bom adiante:
Vocês podem pensar que não, mas acreditem: Nós tínhamos um sonho! Era um belo sonho e aquilo que nos fazia, como falei antes, rodopiar! Era o sonho da autonomia!
A autonomia era assim mais ou menos aquilo que antigamente seria o Bem, e resultava de equações que envolviam o sucesso e o progresso estando também originalmente ligada ao sector terciário que era uma fatia de queijo que nos tinha sido oferecida na instrução primária e que significava estarmos todos a servirmo-nos uns aos outros e muito autónomos!
Desde cedo que sabíamos que a dependência é uma coisa a evitar se queríamos manter a liberdade moral que nos caracterizava.
A família tinha também sido promovida a um conceito global, livre de condicionantes, que deve promover a autonomia, o livre arbítrio e o respeito por cada indivíduo. Por isso sabíamos muito bem estar sozinhos e autónomos como nenúfares que boiam suavemente e não se viram ao contrário para olhar para o fundo do lago lodacento e aproveitam o sol com a certeza de que outros nenúfares aparecerão, naturalmente... A natureza é uma coisa linda!
Assim sendo praticamente a única entidade que mantínhamos dependente de nós era o velho Estado e esse tentava que nunca acontecesse o contrário pois tínhamos de nos fazer uns “homenzinhos”. Era como um filho antigo que não queríamos ter, mas de qualquer modo um filho o que nos fazia crescidos e responsáveis. Sabíamos que isto estava errado, atenção! Que cá de sistemas errados percebíamos nós e isso ia mantendo activo o espírito educador necessário ao desenvolvimento animal.
Nesse sentido éramos todos únicos! ....
(nomes)
Mantínhamos bem acesa uma chama revolucionária que fazia distinguirmo-nos de tudo o que parecesse doutrina, ou mesmo distinguíamo-nos de tudo, mas de modo a que fossemos bem aceites! Não nos deixávamos levar por mestres e de longe preferíamos coleccionar ídolos... No fundo era tão grande a panóplia de tudo a que tínhamos acesso e que nos podia inspirar a imitar que não havia razão para não sermos inovadores e originais! Vivíamos numa era de profundas transformações e por isso cada um de nós era, como previsto, uma infindável caixinha de surpresas!
Com tão rápidas transformações tínhamos de estar sempre muito atentos, até porque as rápidas voltas em torno do nosso eixo dificultavam a percepção do detalhe do que nos rodeia. E nós sempre gostámos dos detalhes... especializámo-nos nisso. Isto não pensem que era fácil e portanto é perfeitamente natural que também precisássemos de atenção. Uma atenção especial e de alguém especial. E por isso estamos aqui, não é verdade?
É um povo que gosta de flirtar, namoriscar, e inventámos já tantas técnicas para isso...
Bom... O corpo tinha muito pouco protagonismo nesta história toda, e apesar de ser bem visto e aclamado pela beleza das suas formas e suavidade da sua pele, só verdadeiramente lhe davam importância quando lhe faltava a beleza das formas e a suavidade da pele e aí revoltavamo-nos contra o tempo que tinha passado sem avisar e nós tão concentrados na pontinha dos dedos. No fundo estava quase sempre tudo na pontinha dos dedos.
Bom.. vou começar.