SUJEITO, 2020
Agora que o movimento do ar acalmou podemos finalmente observá-los no seu estado de repouso. De graça. Inertes. A menos que sejam sujeitos a forças a eles ou por eles aplicadas, manter-se-ão assim.
Em cena temos dois seres, de substância e realidade permanentes e aos quais, certamente, atribuiremos transformações, qualidades e acidentes. Estão numa condição de cativeiro, é verdade. Nesta galeria ou sala de espectáculos... mas podemos, deste modo, apreciá-los na sua mais pura condição – a de performers. Os maiores predadores da terra, os mais cognoscentes, prepotentes mesmo, aqui como simples bailarinos de tudo o que se move.
Com cerca de 7,7 biliões de exemplares actualmente, estes espécimes consideram-se, com alguma pretensão, donos de si e dos seus corpos. No entanto a sua submissão e interdependência continua a ser única e enternecedora. E foi o que, de certo modo, promoveu a sua vontade de se destacarem em tudo. Ou mesmo de se destacarem de tudo e continuarem, insistentemente, a tentar definir-se fabricando artificialmente a naturalidade do seu habitat.
A sua evolução assenta numa constante insatisfação com as coisas. A insurreição, assim como a devoção a religiões e ideologias, tem-nos levado a grandes feitos através do aperfeiçoamento de técnicas e conhecimento para a subjugação de praticamente todas as criaturas; no combate ao frio, à fome, à culpa, aos outros e aos insectos.
Aproveitemos a oportunidade de vê-los assim, inofensivos, imersos nos seus pequenos movimentos peristálticos enquanto aguardam algo pelo qual valha a pena serem movidos.
Ao longe tudo parece parado.
A mecânica quântica já nos ensinou que quanto mais próxima, quanto mais íntima é a observação das coisas, menos paradas, menos constantes elas se mostram.
Ei-los às voltas com o seu bolo alimentar, involuntariamente... como pequenas cobras que descansam.
Já dizia Tito Lucrécio Caro, passeando-se por terras romanas lá pelo século um antes de Cristo, que devido a sermos compostos por uma sopa de átomos em constante movimento, este mundo e os outros não são eternos.
As formas de vida neste mundo e nos outros estão em constante movimento, incrementando a potência de umas formas, diminuindo a de outras.
Esperemos mais um pouco, certamente iremos vê-los a moverem-se segundo o seu sistema.
Reparem. Movem-se assim rapidamente. Incrementando ou diminuindo a rotatividade conforme a acumulação de capital, a sua posição no mercado, ou a dança da precariedade laboral do assalariado… mas sempre competitivos na sua ordem espontânea, na fluidez do choque dos indivíduos que gritam laissez-faire laissez-faire!
Uma aceleração exponencial que conta com a força centrípeta, em torno de si.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Pois. Como a rotação da Terra. Mas a Terra continua também a rodar, a trasladar-se, impiedosamente, à volta do Sol. E eles com ela. Aristarco de Samos, algures no terceiro século antes de Cristo, achou mais natural que fosse o astro menor a girar em torno de um astro maior. Mas foi acusado de impiedade como se não fosse já uma evidência.
A esta distância e à semelhança da Terra, vemo-los claramente centrados em si próprios a ver as coisas passar à sua volta, mas na verdade estarão, mesmo que inconscientemente, também condenados a rodear aquilo que é maior do que eles. Mas como a Terra não pára, a repetição nunca cai no mesmo sítio.
Nesse percurso vemo-los passar por vários agrupamentos ou disciplinas coreográficas como: o Hinduísmo, o Zoroastrismo, o Mazdakism, o Hare Krishna, o Budismo, o Judaísmo, os Islamismos, como o Sunismo, o Xiismo, o Sufismo, ou várias formas de Cristianismo, tipo Catolicismo ou Calvinismo ou Luteranismo, o Pietismo, o Metodismo, ou mesmo pelo Candomblé, e ainda por movimentos mais modernos como o Evangelicalismo, o Neopentecostalismo, o Movimento Restauracionista Mórmon, o movimento Rastafari, o renascimento do fundamentalismo e radicalismo Islâmico, o Pentecostalismo e Carismatismo americanos e as Testemunhas de Jeová.
Mas a verdade é que também passaram pelo secularismo, o laicismo, o agnosticismo, o ateísmo, o judaísmo secular humanista, o Discordianismo, toda uma secularização até ao Feminismo Ateísta, o humanismo secular, o movimento céptico, o New Age e até pelo satanismo e negacionismo.
Em 2015, o movimento Raeliano contactou o Governo Português solicitando que lhes fosse permitido construir uma embaixada para extraterrestres. Amaterasu, a principal divindade do Xintoísmo, a deusa do sol, ensinou os japoneses a cultivar arroz. Também Newton, que ensinou a lei da gravitação universal, considerou que a conjunção do Sol com os planetas só se pode dar em virtude da intenção e do poder de um ser poderoso e sapiente. O Sol é grande, muito maior que a Terra. A Terra rodeia-o. Rodeia-se. E eles irão ver o Sol a pôr-se.
É certo que podemos sentir ainda uma pequena resistência com o ressurgimento do Movimento Terraplanista. Mas isso deve-se ao facto de o crescimento sustentável na Terra ser impossível numa Terra esférica, com uma forma fechada, pois os seus recursos são assim necessariamente finitos e isso não parece coadunar-se com o ecossistema criado através dos sistemas de produção. Mais estranho que a Terra ser redonda, é o mar também o ser. Mas mesmo assim, e contra tudo e contra todos, o sol pôs-se.
É de noite e o tempo de sono foi necessariamente reduzido – Durmam depressa, camaradas! Eles vivem agora o movimento rápido do olho. O sono REM. Mesmo a dormir, os globos oculares não param ainda para mais quando o sono se tornou algo superficial. A forma que mais dificilmente repousa é a esfera.
É um sono paradoxal. Como o de um jovem trabalhador precário na base da pirâmide de uma grande multinacional que tem perspectivas de carreira e sonha os sonhos mais vívidos. Com grande actividade cerebral – sonhos repetidamente capitalizados, activos, derivados da reencenação, da rotina e do desejo.
O cérebro, no entanto, bloqueia os neurónios motores, para que o corpo não obedeça às ordens sonhadas ou as encene numa prática do sonambulismo. Essa prática fica então reservada para o dia a dia, durante o dia. O sol nasce, para todos, mulheres inclusive, e começam a pendular no movimento da cidade.
Reparem como eles vão e vêm consoante o processo de expansão urbana, a metropolização, a saturação, a concentração produtiva, a sectarização, a periferização, a segregação, a gentrificação, ou seja, a expulsão, e a especulação imobiliária. Uma dança, valseante: ir e vir em diferentes velocidades, em transportes públicos ou privados ou com novas formas de mobilidade... todos os dias pendulam.
O pêndulo funciona como metáfora, que em grego continua a significar transporte. E foi num autocarro que Rosa Parks, sentindo “o seu corpo a ser tomado pela determinação como uma colcha numa noite de frio” recusou-se a ceder o seu lugar a um homem branco, tornando-se o catalisador do boicote de 381 dias aos autocarros de Montgomery. Movimento que causou um elevado déficit no sistema de transporte público e o início do movimento anti segregacionista.
Enquanto isto o autocarro continua a sua metáfora. O movimento é metafórico. A metáfora transporta o sentido de uma coisa para outra coisa diferente. Uma metáfora, um autocarro, um omni bus. Para todos.
E é pendulando que os trabalhadores atravessam várias órbitas da cidade, criam pontas nas horas e vão dispensando enormes quantidades de energia.
Os sentimentos percebem as colisões macroscópicas e interacções dos corpos mas a razão infere os átomos e o vazio que os sentidos percebem. Deste modo, Lucrécio antevê, sem certezas, que a Deus não interessam as acções do homem, e ainda que as partículas dançam. Numa sopa.
A famosa sopa de Robert Brown. E é verdade. Reparem, como nada é imune ao movimento browniano. O movimento aleatório de partículas suspensas num fluido, partículas que chocam com átomos e moléculas e entre si, em incessantes movimentos, sempre a multiplicar as probabilidades, as possibilidades, as verdades. O caos pode ser entendido como a situação em que todas as possibilidades estão presentes, ao mesmo tempo, lado a lado, no mesmo espaço, daí a confusão, a indecisão, a prostração, a inércia, a liberdade. E o movimento browniano serve de modelo para estados desde micro a macroscópicos, em situações de organização caóticas ou semi-caóticas, cheias nos rios, flutuações dos mercados, ou tanto faz, de tão bela a crença de Brown de que as partículas descreveriam movimentos por vontade própria. A vontade individual das partículas.
Mas existem outras forças também importantes: a tração por peso da placa em subducção na fossa oceânica e o empurrão por expansão da cadeia meso-oceânica. Tudo isto cria um grande stress tectónico, um setressetónico.
Avizinha-se uma grande queda. Uma movimentação em cadeia, como um dominó, leva à falência do tradicional banco de investimento Lehman Brothers e vemos o crash financeiro de 2008.
E são os estados, como uma mão invisível em estado de sítio, a equilibrarem a tendência naturalmente desequilibrada dos bancos. Porque os processos de expansão-contração ("boom-bust") giram ao redor do crédito, e envolvem uma concepção errônea, que consiste na incapacidade de se reconhecer a conexão circular reflexiva entre o desejo de emprestar e o valor das garantias colaterais. O sistema do capital baseia-se, na fé, na garantia, no crédito. Acreditar que o dinheiro está lá e que ainda vale o mesmo. Aparentemente pragmático e insensível, o mundo financeiro depende, na sua essência, de uma fé que não pode ser abalada, uma fé no protocolo simbólico, representado por notas, cheques, plástico, aplicações... A superexpansão ou o super-boom descambou quando os instrumentos financeiros se tornaram tão complicados que as autoridades financeiras governamentais se tornaram tecnicamente incapazes de avaliar os riscos desses instrumentos financeiros, e passaram a utilizar os sistemas de gerenciamento de riscos dos próprios bancos privados.
É complicado. Eles carregam nos corpos, mesmo sem saber, esse movimento endémico e involuntário chamado fundamentalismo de livre mercado, misturado com a culpa de terem andado a viver acima das suas possibilidades. Fragilizados e sem saber para onde ir, eles movem-se agora para ocupar Wall Street. Este movimento que consiste em ir para Wall Street e aí ficar parado, a ocupar esse palco, à espera de uma mudança.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Reparem também no movimento dos lesados do BES, Grupo de Lesados do Novo Banco ou Movimento dos Emigrantes Lesados, ou o dos Emigrantes Lesados Unidos ou Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial. Seres lesados, feridos pela queda e que esperam recuperar a 100%. Porque eles não são o 1%; muito menos as mulheres.
E estes 99% percorrem então pesadamente o seu caminho para ocupar Wall Street. Todos os dias sujeitos aos movimentos bancários, imparáveis, porque se o dinheiro pára, perde valor – o movimento é valor. E joga-se na bolsa para mover o dinheiro que vai ganhando ou perdendo valor, sem nunca se deter. Estas movimentações impedem a estagnação do valor, isto é, a entropia, isto é, a desorganização do sistema, o seu declínio e falhanço. Neste habitat nada se perde ou desaparece, transfere-se. E todos os dias nasce novo dinheiro e não lhe conhecemos o valor.
Coito parto morte – trilogia da reprodução. As carnes não passam de corpos acidentalmente singularizados; o ser cria uma crosta e é esta que o individualiza; essa crosta dissolve-se na morte. A velhice e a morte curiosamente opõem-se. A velhice degenera mas a morte regenera, recicla. Por isso, na natureza não há morte, há apenas uma redistribuição de átomos. E os 99% chegam finalmente a Wall Street num movimento de inspiração árabe. Um movimento não violento perante a violência da desigualdade. A táctica do movimento estático. Desconcertante. Deste modo a polícia não consegue responder a esta nova e exótica estratégia e podemos assim ver o movimento, parado, a funcionar durante um tempo.
Mas uma vez que a polícia descobre a resposta, ela destrói todos os movimentos da mesma forma de sempre. Dispersando os corpos parados, separando-os uns dos outros. Ou seja, Movimento Zero. São as ordens, naturais das coisas. A natureza das coisas, De Rerum Natura. Como também o é ocupar vazios. O vazio de um prédio devoluto ou o vazio de um trabalhador rural sem terra para cultivar. Diz Demócrito que o movimento pressupõe o vazio no qual a matéria se desloca.
Observamo-los agora na sua movimentação de okupas, de kraker, de squaters. E ocupar prédios pode mesmo tornar-se um vício. Assim falou Ricardo Luciano Lima, o Careca, que integrou o (LMD) Luta por Moradia Digna, o (MLSM) Movimento de Luta Social por Moradia e criou o (MGM) Movimento de Grito por Moradia.
O MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento de inspiração marxista, herdeiro ideológico de todos os movimentos de base social camponesa ocorridos desde que os portugueses entraram no Brasil, quando a terra foi dividida em sesmarias por favor real, de acordo com o direito feudal português, que era um direito que excluía grande parte da população do acesso directo à terra. O MST opôs-se ao modelo de reforma agrária imposto pela ditadura militar, o qual privilegiava a colonização de terras desérticas, como forma de exportar excedentes populacionais, quer dizer, pessoas que sobravam, famílias que estavam a mais, isolando-as num ambiente inóspito, a cultivar terras inférteis, vazias.
Todas as terras, incluindo os descampados e até os baldios têm dono. Para onde quer que olhemos, tudo é propriedade, como um contorno, uma fechadura da qual a chave não nos pertence. E nas clareiras, nos descampados, eles voltam a acampar.
Ensaiam-se movimentos como o M15 em Espanha, a Geração à Rasca, o Movimento 12 de Março, a Acampada na Puerta del Sol e campismo no rossio procurando marcar não o território mas sim a existência. E por isso apenas ficam, mostrando-se. E também lá estavam mulheres. Mas o corpo vibra. Corações ao alto, microfones partilhados, o sonho profundo de um movimento global, porque os mamíferos, acabam por ter de adormecer de mãos e vozes erguidas e reparem.
Reparem como os movimentos celestes continuam mais ou menos da mesma maneira. Mesmo que o nosso conhecimento sobre eles varie. Gravitam. E atraem-se com uma força diretamente proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre os seus centros. Todos os corpos.
Todos os corpos deslocam-se em função do amor, diz Aristóteles. Diz que todos os corpos celestes no Universo possuem almas. Intelectos divinos que os guiam ao longo das suas viagens. Sujeitos a uma última e imutável divindade, responsável pelo movimento de todos os outros seres. O amor.
É 28 de Junho, 69. Muita tensão. Estamos agora no Stonewall Inn, e sabemos que "a resultante das forças que agem num corpo é igual a variação da quantidade de movimento em relação ao tempo." Muito tempo passou. E Aristóteles nunca relacionou o movimento dos corpos no Universo com o movimento dos corpos na Terra. Neste lugar o procedimento padrão é alinhar os clientes, conferir a identificação deles e fazer com que polícias do sexo feminino levem os clientes vestidos de mulher para o wc para verificar o seu sexo, sendo que qualquer homem assim vestido será preso. Mas nessa madrugada, no bairro de Greenwich Village, se atentarmos bem, podemos vê-los sujeitos ao movimento de dilatação das pupilas. Este movimento é comumente observado em animais a caminho do abate, devido à descarga de adrenalina face à morte iminente. Em situações de menor risco a dilatação das pupilas é popularmente conhecida como sinal de interesse amoroso. Neste caso eles estarão mais próximo da primeira opção mas, lentamente, a pupila contrai-se e Allen Ginsberg diz: “Eles estavam lindos. Perderam aquele olhar de medo que todas as bichas tinham há dez anos atrás.”
Aristóteles define o movimento como a passagem da potência ao acto. Os que estão vestidos de mulher recusam-se a ir com os polícias. Os que estão vestidos de homens recusam-se a mostrar a identificação. E muito mais gente se uniu aos protestos nessa e noutras noites e dias e cantaram We Shall Overcome. Mulheres inclusive. E era Verão.
No Verão, como se pode observar pela inclinação do eixo e a pela constante traslação da Terra, eles estão, neste preciso momento, mais próximos do Sol do que muitos outros sujeitos. Existe o risco de serem queimados pelo sol ou pela inquisição ainda resistente ou por evangelizadoras manobras de conversão como o Movimento ex-Gay ou o People Can Change.
Mas o movimento continua. O da Terra. O nosso.
Foi a alta fantasia aqui tolhida;
mas ânsias e vontade era a movê-las,
já como roda por igual movida,
o amor que move o sol e as mais estrelas.
Nas últimas palavras do Paraíso de Dante, o amor movia o Sol e as primeiras estrelas.
Assim como nos anos 50 os movimentos de contracultura, dos Beatniks, ou nos anos 60 e 70, os movimentos Anti-War, Anti-Nuclear War, Anti-Drugs War, o Legalize, o Movimento Hippie a envolver a comunidade no nomadismo, no Budismo, no Xamanismo, no nudismo, e nos anti-nacionalismos, militarismos, patriarcalismos, autoritarismos, capitalismos. Uma supernova explode!
Estamos em 1987 e muito pó se liberta das estrelas, reparem, e fica solto. O mesmo cálcio que nos percorre os ossos. E surge o Movimento Rave, vindo do Acid-House de Chicago, para ir crescer em grutas e espaços desabitados no Reino Unido e depois disseminar-se como uma experiência colectiva, transversal, uma imersão prolongada num mesmo movimento, a mesma batida, longas festas a testar a duração da clandestinidade por 12 horas ou mais ou só perder a noção do tempo.
A Lua continua todos os dias o seu movimento de revolução, coordenado com o de rotação ao redor da Terra de modo a manter, perante esta, sempre a mesma face. Nunca lhe vira as costas e vai levando as marés terrestres a passear. A Lua enche as marés e o vento levanta as ondas. Ondas de revolução. É graças à revolução científica, entre os séculos XVI e XVIII, que deslocou o Deus do centro, (e depois a Terra, e depois o homem), que podemos ver os astros moverem-se desse modo.
Essa onda revolucionária e iluminada do pensamento faz também surgir a revolução industrial, iniciada na Grã Bretanha com ferro, água e vapor. Agora os trabalhadores, em cerca de 80 horas semanais, passam a controlar as máquinas que pertencem aos donos dos meios de produção e assim perdem o controlo do processo produtivo, da matéria-prima e do lucro (em espanhol, la ganancia). As mulheres e crianças, apesar de receberem menos, beneficiam de igual tempo de trabalho.
Com este incremento e excremento do conhecimento e do poder da burguesia dá-se a Revolução Francesa! Em vários movimentos e solavancos substitui-se a monarquia, a aristocracia e a igreja por uma república democrática secular – como quem sacode o cobertor de cima de um corpo morto. O nascimento, a tradição e o sangue já não podem continuar a ser os únicos critérios utilizados para distinguir socialmente os homens. E as suas mulheres. São agora substituídos pelo dinheiro e pela propriedade que passam assim a garantir o prestígio social dos seus detentores. Esta revolução surgiu sob a influência da Revolução Americana – a primeira colónia a tornar-se independente por meio de um ato revolucionário. Proclamando “o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade jurídica (não social nem económica) e à procura da felicidade” – direitos inalienáveis e de origem divina. Ainda. A francesa nomeou também a fraternidade.
As marés vivas são no Outono e fazem desfraldar as bandeiras vermelhas nas costas balneares, e é em Outubro que se dá a Revolução de Outubro, ou revolução vermelha, ou dos bolcheviques. Influenciada pela onda matricial do iluminismo francês de Rousseau, através da revolução francesa (que por sua vez descende da revolução americana). A primeira revolução comunista marxista decreta o decreto de paz, decreta a abolição da propriedade privada, decreta a sua redistribuição pelos camponeses e desemboca na guerra civil russa, no comunismo de guerra, no terror vermelho e por aí fora até à criação da URSS. Mas quando a revolução aconteceu em Outubro pelo calendário juliano já era Novembro no gregoriano.
Para que haja grandes movimentos de revolução é necessário antecipar o contínuo murmurar dos mesmos ideais ou das mesmas ameaças. Podemos ver essa murmuração no movimento do voo conjunto dos estorninhos – o scale-free correlaction. A propaganda. Ou seja: o movimento de um, afecta os sete vizinhos próximos; propaga-se. E esses sete afetam mais quarenta e nove, e assim vai-se facilitando a propagação do movimento independentemente do tamanho dos grupos. Um pássaro assume a posição do pássaro anterior, e assim sucessivamente.
O estorninho comum visita a Península Ibérica apenas durante o Inverno. Nesta estação, as casas são frias, gentrificadas, especuladas e muitos duvidam ainda se de facto, já se deu a revolução do proletariado, enquanto esperam a época alta do turismo.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Por momentos recordam a velha Comuna de Paris, o primeiro governo operário da história, e as extravagâncias que, em 1871, tentou implementar: a jornada de trabalho reduzida a oito horas; a igualdade entre sexos; uma educação laica e gratuita; o internacionalismo (tornando-se irrelevante ser-se estrangeiro); os artistas a gerir os teatros e editoras; o salário dos professores duplicado; e essas coisas que as economias dificilmente percebem.
Mas depois o corpo lembra-os que na perspectiva dos communards era para isso necessário derrubar a velha ordem e assim, Versalhes teve de executar a comuna, e isso foi sangrento. E as execuções só pararam mesmo por medo que a quantidade imensa de corpos pudesse causar uma epidemia. Desta vez souberam antecipar a epidemia tal como a andorinha antecipa a Primavera. No grande movimento de migração, as Andorinhas-dos-Beirais movem-se numa frente larga, e cruzam todo o Mediterrâneo e o Sahara viajando durante o dia, embora algumas aves o façam de noite. E chegam pacificamente à Europa para nidificar.
O Pardal-de-Coroa-Branca consegue voar durante sete dias seguidos, sem interrupções, sem paragens, sem dormir; voa do Alasca para o México. Conhecendo este facto, o exército americano dedicou-se a estudar o cérebro e corpo desta minúscula ave com o intuito de um dia chegar ao sleepless soldier, o soldado que não dorme, porque dormir é perder tempo, e tempo é...
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Historicamente, a Andorinha-dos-Beirais, beneficiou bastante com a deflorestação, que criou os espaços abertos que prefere, e com as habitações humanas, que criaram uma abundância de locais seguros para os seus ninhos. Milhares de hectares da floresta da Amazónia são abatidos, derrubados, desbastados, arrasados, provocando movimentos. #SalveAmazônia. Este assemelha-se a outros movimentos que reclamam os direitos do planeta Terra que não consegue deixar de rodar em torno do Sol e de si próprio. Fazem-se greves pelo clima já que o clima não faz greve; nunca deixa de funcionar, de ser; o clima nunca nos deixa.
E é num clima de violência e esquecidos pelo meio ambiente que os indígenas são obrigados a sair do seu silêncio e a moverem-se mais; M.A.I.S., Movimento Alternativo Indígena e Social da Colômbia; o Indeginismo, no México, ou o Movimento dos Direitos dos Aborígenas, na Austrália. E o direito não seria sequer uma peça do seu vocabulário, dentro das leis que naturalmente os regem, mas enfim, vemo-los demasiadamente sujeitos ao ambiente.
A Andorinha-dos-Beirais é uma espécie ruidosa, especialmente nas suas colónias. O colonialismo, movimento que é uma versão antiga da globalização, deu a conhecer inúmeros e longínquos mundos através de trocas comerciais. Os ganaderos no Chile, por exemplo, ofereciam: uma libra por testículo de indígena macho, uma libra por seio de indígena fêmea ou meia libra por orelha de uma cria de indígena.
Tudo o que se move provoca som e se uma andorinha não faz a Primavera muitas farão. Reparem como o facto de a Primavera se ter tornado árabe provoca todo um movimento que irá inspirar várias coreografias revolucionárias no Médio Oriente e no Norte da África. Porque, entretanto, já nos movemos na segunda revolução industrial: aço, electricidade e petróleo. E até à Guerra Fria estas revoluções não poderiam ocorrer, pois os países árabes submetiam os seus interesses nacionais aos do capitalismo americano ou do comunismo russo, não havendo assim espaço para grandes movimentos.
Mas aqui vemos revoluções na Tunísia e no Egito, grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen, protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão, Saara Ocidental e guerras civis no Iraque, Líbia, Síria. São greves, manifestações, passeatas, comícios, e usam até já a quarta revolução industrial, a digital, com o Facebook e o Twitter de modo a sensibilizar a comunidade internacional. Que até sente qualquer coisa, mas…
Na verdade, essa onda de revoluções começou no Inverno. Em 2010. E só lhe chamaram Primavera em referência à Primavera de Praga. Um período de tentativa de liberalização política marcado por vários protestos pacíficos como uma greve geral e o suicídio de um estudante, ou o tapar as tabuletas de trânsito para que os russos se perdessem no seu movimento de ocupação. Publicaram ainda o decálogo da não cooperação:
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
E assim não fazem. À falta de força militar, a Checoslováquia continuará ocupada até 1990. Observem como todas as ondas de revolução se retraem e deixam atrás de si apenas os limos de uma nova burocracia. E vão mudando de cor conforme a frequência e o pendular das ondas magnéticas. Esquerda… direita… Revolução Verde, Púrpura, Laranja, Rosa, Açafrão... O estímulo ambiental orienta o crescimento dos organismos vegetais, podendo ser positivo ou negativo. É o tropismo a orientar as plantas. Diferente do movimento vegetal nástico, que é um movimento de reacção rápida em resposta a estímulos ambientais difusos. Observemos esses movimentos na revolução das túlipas, dos cedros, a do jasmim, em que, por exemplo, um jovem tunisino pega fogo a si próprio por já não conseguir pagar a licença para vender fruta na rua. E mesmo a Revolução dos Cravos – única flor de serrilha –, um movimento de forças armadas e rebeldes. Saiu-nos para a rua um exército que mal conhecíamos. Era Primavera e também lá estavam mulheres.
Il’y a plus inconnu que le soldat inconnu – sa femme.
A Primavera não é para todos. Até porque em certas zonas do planeta há apenas duas estações no ano, a seca e a das chuvas. O que provoca, por exemplo, o movimento de cerca de 1,7 milhões de gnus e centenas de milhares de zebras e gazelas. Iniciam a sua marcha no sul do Serengeti no início do ano e atravessam em massa o rio Mara, controlado por vários crocodilos. O instinto move-os a procurar melhores paragens, para parar. As migrações são movimentos forçados que prometem mundos melhores, mas que nem sempre se cumprem. Figuras da esperança como o zapping, movimento que surgiu com a invenção do telecomando. Assente no sofá e na crença de que o que aí vem é melhor do que o que está.
E marcham. Marcham sobre Washington e pelas suas vidas, March for Our Lifes. As vidas deles. Dos estudantes. Movendo quase dois milhões de especimens nos EUA contra o direito do povo de manter e transportar armas. Isto significa 6’20’’ do silêncio de Emma Gonzales – tempo equivalente à duração do massacre na Stoneman Douglas High School. Já o silêncio de John Cage foi apenas de 4’33. “I have nothing to say and I'm saying it.” Disse. E continuam a marchar. Num domingo sangrento como o de Selma a Montgomery, a primeira das três marchas que desembocaram na Lei dos Direitos de Voto, em 1965. E também lá estavam mulheres.
Na Índia. Mahatma Gandhi, na Marcha do Sal. 25 dias a caminhar para, num gesto, apanhar uma mão cheia de sal para si, e depois ser preso, por um gesto do império britânico. Mahatma Gandhi mais outros 50 mil indianos. Mahatma Ghandi vai mantendo o constante movimento de não cooperação, tal como em 1845, Henry David Thoreau se recusou a pagar impostos pelo fim da Guerra Mexicana. Mas Mahatma Ghandi esquece-se de não cooperar com o sistema de castas e violações. De mulheres.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Movimentos que fazem sair: o Movimento Quit India, para que o império Britânico saia da Índia, ou o Brexit, para que a Europa saia do Reino Unido e, como num salto quântico e dois tiros numa parlamentar trabalhista anti-exit, alguém grita Britain First!, e calha ser o nome de um movimento saído da extrema-direita.
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
Tudo o que se move origina também forças de resistência, ou contra-movimentos, sendo que, se considerarmos os movimentos como o que tenta mover sistemas estabelecidos, então é a resistência que dá forma ao movimento.
Mas o saudosismo ainda move muito a supremacia branca, desenhada nas leis de Jim Crow ou do Apartheid, ou o movimento de negacionismo do holocausto pela aurora dourada e tantos outros gestos a mover o Nazismo e o Neonazismo e os futuros nazismos denominados de Nova Ordem Social ou apenas conservadorismos suavemente aceites na boa moral segregacionista e familiar, assentes em tradições reais ou imaginadas. Um Tea Party ou um almoço entre amigos contrário aos movimentos de migração e à diversidade dos multiversos. KKK.
E o white power rouba o oxigénio ao Black Power pela sua força de segurança provocando inúmeros motins e movimentos a carregar nomes de pessoas: Eric Gardner querendo mover-se pergunta why are you stoping me? Acrescentando ainda I can’t breathe, slogan também usado por George Floyd, imobilizado, a tentar encher os pulmões por baixo de um joelho branco.
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
Como uma suave brisa, o movimento de abolicionismo da escravatura pergunta ingenuamente pelo abolicionismo prisional sem considerar as tremendas consequências que teria no sistema financeiro. É que a encarceração massiva de trabalhadores negros nos sistemas prisionais americanos, tipo gulags, fazem mover rios e rios e rios… A água recebe a força dos planetas – é uma mediadora entre as estrelas e nós; quando uma estrela morre, colapsa, dando origem a uma singularidade no espaço-tempo, conhecida como buraco negro. E do buraco negro nada escapa, nem a luz; nada nos chega do lado de lá do horizonte de acontecimentos.
O Universo é composto de átomos e vazio ou dark matter – escura, matéria que não se dá a ver, que só se mostra pelas suas consequências. BlackLivesDarkMatter. As panteras negras correm muito rápido. É sabido que têm melanismo – um excesso de produção de melanina que torna a pele e o pêlo completamente tingidos – e diz-se também que são óptimos predadores. O movimento dos Black Panthers ousa desafiar a brutalidade policial em Oakland, Califórnia, chegando a ser considerado pelo sistema democrático americano como a principal ameaça ao sistema democrático americano, o que é apaziguado pelo sistema democrático americano que não permite o voto a ex-condenados pelo sistema democrático americano, e não é difícil um negro ser condenado pelo sistema democrático americano.
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
É que dizem que o movimento na democracia não flui quando tem de satisfazer todos e isso é um grande peso porque há demasiada gente no mundo e um enorme crescimento demográfico. E cerca de metade são mulheres. Como a Emily Davison que se atirou à frente do cavalo do rei de Inglaterra no derby de 1913, ou que inspirou membros do movimento sufragista a fazer greve de fome. Greve de fome quer dizer que a sua morte tem mais poder do que a sua própria vida.
Em França, na década de 70, surge o movimento da Nouvelle Cuisine, a envolver os sentidos e o estímulo do uso mútuo de percepções para gerar uma leitura mais complexa do mundo. O sufragismo é lento. Diz-se que aquela metade destes espécimens serão incapazes de compreender o funcionamento do Parlamento. E as leis continuam a permitir movimentos bruscos dos seus maridos, e elas assediam-nos com movimentos de justiça e libertação, até reprodutiva ou mesmo sexual, condicionando-lhes os direitos com o Time's Up, #MeToo e, já agora, PayMeToo – porque elas também se movem para ir trabalhar.
Vemos os corpos a moverem-se em função do medo; e mantêm-se movimentos como o masculinismo ou androcentrismo ou o movimento dos direitos dos homens. Porque o astro menor deve orbitar em redor do astro maior. Mas todos os corpos deslocar-se-iam em função do amor, insiste Aristóteles.
E elas movem-se na plaza de Mayo como Madres ou como buscadoras de ossos queridos no deserto de Atacama. Movem-se mesmo em inúmeras e variadas direcções como o Feminismo Liberal, Radical, Cristão, Islâmico, Feminismo Judaico, Eco-Feminismo, Anarcofeminismo, Feminismo Marxista, Socialista, Negro. Invadem, como uma praga de gafanhotos a destruir sistemas muito plantados, mas em movimentos extraordinariamente mais lentos e sem uma frente definida. Ao contrário da FLN, FLNA, a FLA, a FLAMA, a FRELIMO...
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
E a beleza da mulher estava tão bem representada na arte e na literatura, pela pornografia ou pelo movimento sexy dos La Bomba. Diz Balzac que a arte não é senão mover. E nós podemos ainda apreciá-los na sua mais pura condição – a de performers. Dantes, uma mulher só entrava nos museus nua, retratada por um homem.
Mas, subitamente, foram ambos levados pelo gesto do Expressionismo Abstracto, ou caem sob o peso da Arte Bruta ou mesmo do Neo-Realismo, revirando-se sobre os vários pontos de vista do Cubismo ou na forma natural da matéria pelo Fauvismo, todos pintalgados pontilhisticamente, ou a verem a sua imagem sucessivamente acelerada em profundidade pelo Vorticismo. O Realismo Socialista mostra-lhes, não como as coisas são, mas como deveriam ser. Mas levam com as coisas em si do Concretismo sendo depois minuciosamente copiados pelo Hiper-Realismo até ao desespero antagónico do Abjeccionismo. Não mais que modas? Ondulações? Frisados do lado de fora de si sem saber amotinar a vida, como espíritos nado-mortos a pelarem-se pela revolução.
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
E detêm-se na escolha da Pró-Escolha mas vem o movimento pró-vida e esse por vezes move-se também contra morrer com dignidade não sendo necessariamente contra a pena capital e o capital, entre a vida e a morte. Ei-los a questionar o início do movimento de surgimento da personalidade humana e também a sua normalidade. A marcha do Orgulho Louco, o Movimento Antimanicomial, o Anti-Psiquiatria. Porque há movimentos de mobilização militar obrigatória que levam especimens a moverem-se abrindo buracos nas casas como ratos. Declara-se ainda que os animais têm direitos e senciência, incluindo as crianças. E as mulheres.
E as crianças crescem e no dia 5 de Junho de 1989, um jovem estudante, solitário e desarmado, de sacos de plástico na mão, como vindo da mercearia ou da peixaria, invade a Praça da Paz Celestial e anonimamente faz parar uma fileira de tanques de guerra. Une femme sans homme, c'est comme un poisson sans bicyclette. Gramaticalmente, o sujeito, mesmo parado, continua ora composto, ora determinado ou indeterminado, por vezes inexistente, oculto, mas raramente simples. Um sujeito sujo num mundo imundo.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
No habitat do pós-modernismo tudo significa simulação, vai-se refazendo o mundo, hiper-realizando-o tornando-o espectacular. Mas chegando ao ponto zero da representação, não se poderá representar o fim da representação! Alberto Pimenta enfia-se numa jaula como Homo Sapiens e olha-nos. O pequeno filho da puta, o pequeno senhor Sujeito Serviçal, Simples Sobejo ou seja, o pequeno Filho da Puta. Continuam a mover-se freneticamente sob efeito dos movimentos da língua dentro da boca, alheios ao movimento esparantista ou contra o acordo ortográfico. As Mães de Bragança movem-se apenas para a expulsar as putas dos seus filhos, quer dizer, separar as putas dos seus filhos. E no Movimento das Sardinhas em Itália, apertam-se em lata nas praças, sem qualquer distanciamento social, a reclamar do populismo de Salvini e da violência da linguagem de ódio do poder político.
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
Se um corpo A aplicar uma força sobre um corpo B, receberá desse uma força da mesma intensidade, mesma direcção e sentido oposto. Nos movimentos do xadrez, tanto as peças negras como as peças brancas movem-se sob as mesmas regras até cair. Parece que caem. Cair é aterrar com uma parte do corpo que não seja os pés. Eles não querem parar porque, evidentemente, tudo o que está parado sofre: Que se Lixe a Troika! Queremos as Nossas Vidas! Mas entretanto… Stay the Fuck Home!
Os glaciares, esses, continuam a mover-se como um doce gelado num dia quente de Verão, e vemos a revolução dos pinguins e o Fat Acceptance Movement, assim como o movimento de migração do TDT, os movimentos dos Poltergeist e os oculares, que oscilam involuntariamente entre o Extinction Rebellion e o Movimento pela Extinção Humana Voluntária. Por vezes enlaçam a abstinência sexual com um anel da pureza. Mas para quê? These faggots kill fascists! Dizem.
Eles parecem parados mas não estão. Só a cada instante estão parados. Como no cinema – cada fotograma é estático e o cinema faz-se em nós. Sujeito à nossa percepção. Para além dos seus movimentos peristálticos, pendulam entre movimentos de pensamento: vendo-se como organismos em constante transformação dentro de organismos em constante transformação, numa dialética materialista. Mothers Against Drunk Drivers, movem-se. Querem continuar a mover-se por detrás da máscara, como pessoas, como personas, a per-sonarem numa voz que soa através da máscara pública. Um mundo silencioso tornar-nos-ia, com o tempo, surdos, e mudos, e sem discurso.
Eles aguardam o 1.º movimento de uma sinfonia enquanto remoem nos movimentos de cidadania para que sejam sujeitos, cidadãos, no seu habitat de sujeição. Parece que não, mas eles continuam a mover-se. Sujeitos: são escravos, súbditos, dóceis, servis, obedientes, subordinados, dominados, susceptíveis, submetidos, e esporadicamente subversivos, como no Maio de 68, a agitar cabeças e universidades e a escrever nas paredes: As paredes têm ouvidos. Os vossos ouvidos têm paredes. Todo o reformismo se caracteriza pelo utopismo da sua estratégia e pelo oportunismo da sua táctica. Parecem estar em crise – para uns, mas oportunidade para outros. E por debaixo das pedras da calçada, a praia. Em Campinas, no Brasil, um paraplégico, cansado de ser ignorado pela prefeitura, remove à martelada os degraus que impediam a sua passagem. Também o cego não pode ter pressa.
Como se fosse o sol
Desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã
Nascendo, rompendo, rasgando, tomando meu corpo e então
Eu chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Sentindo o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar
Explode coração
Façamos silêncio, não antecipemos o pânico e deixemos que passe.
Eles despiram a roupa, contaminada com os micróbios da civilização e continuam ainda assim a constituir perigo. O apocalipse deixou de ser estável. Subitamente ele move-se com movimentos invisíveis e globalizados. Como um espirro. Um zeitgeist. Um Anti-Vax.
Não sei, não conheço, não direi, não tenho, não sei fazer, não darei, não posso, não irei, não ensinarei, não farei.
Se os movimentos do corpo invadem todo o espaço da consciência e do pensamento, já não podemos dizer que os movimentos são vazios: a consciência dos movimentos transformou-se por seu turno em movimento da consciência, de tal modo que deixa de haver hiato entre o pensamento e o corpo. Assim como, doravante, é o movimento que desencadeia o movimento; é o movimento que orienta o movimento: é o movimento que dá sentido ao movimento. A operação que consiste em criar a unidade de movimento é idêntica à que constrói o plano de imanência da dança. Para Cunningham “basta simplesmente aderir-lhe e fazê-lo”.
Parem.
Reparem.
De repente tudo pára.
Silêncio. Vazio.
Não há mais que vazio à vossa volta. Nada. Nem cores. Nem som. Nem formas.
Fechem os olhos. Vejam como o movimento continua.
Direccionem a vossa atenção para o corpo.
Sintam-se.
Observem o intervalo entre a percepção de um movimento e de um qualquer outro.
Preencham esse intervalo.
Entre as pernas que andam.
Na cabeça vazia, descontraída.
De bem com tudo.
E de novo observem. Sem qualquer controlo.
Como o ar naturalmente entra e sai do corpo. O vazio que vos preenche.
Vocês continuam a estar sujeitos a todas essas expectativas que não vos pertencem. Libertem-se. Relaxem. Respirem. Inhale, exhale, inhale, exhale, vem, vai, importa, exporta… Isso. Pendulem. Deixem-se levar. Como num baloiço. De extremo a extremo. Pelo ar. Esse é o objecto de concentração. De foco. Da harmonia e equilíbrio que existe em vocês. O vosso eixo. O alto do conhecimento. Tomem algumas aspirações profundas. Isso. A do vosso bem-estar. E tirem o cabelo dos olhos! Vocês vão agora transferir todo esse medo, toda essa negatividade através de mim, através de nós para outro sítio qualquer. Sim. Quanto mais longe melhor. Não importa onde. Quem.
Quando alguém morre, os átomos da alma e os átomos do corpo continuam a sua essência dando forma às rochas, lagos ou flores. Já dizia Tito Lucrécio Caro.
Na verdade, uma pedra é um acontecimento. Um acontecimento que durante um certo tempo nos parece monótono, mas um acontecimento. As coisas aparentemente imutáveis não passam de longos e lentos acontecimentos.